quarta-feira, 8 de julho de 2009

Domingo de Sol


Domingo de sol, cerveja, samba. A quadra já estava agitada por volta das catorze horas, quando cheguei. Para me situar, logo peguei o papel que informava a quem eu deveria procurar e interrompi a conversa de dois senhores que julguei serem integrantes da escola. Acertei. Sr. Menílson me recebeu com um abraço tão caloroso e receptivo que interrompeu minha apresentação e me envergonhou pelo fato de que talvez ele já me conhecesse e eu não me lembrava.
Naquele dia eu ia perceber que receptividade é uma característica comum no mundo do samba. Ele reservou uma mesa para eu me acomodar e trouxe água para eu beber. Me disse para que esperasse um pouco, pois estava ali desde cedo, preparando a quadra para os convidados, ajeitando o som, e que trocaria de roupa na casa dele, que era ali na rua mesmo e já voltava para conversarmos a respeito do assunto de meu interesse.
Nesse intervalo, fui tirar fotos. Num dia de goleada da seleção brasileira e do Flamengo, a disputa na quadra era outra. A escola de samba Leões de Iguaçu, que possui um passado de glória e notoriedade, também se revelara um celeiro de grandes talentos. Esse ano o enredo vai ser em homenagem à sua cria mais ilustre: Neguinho da Beija-Flor. Ali, de noite, ia ser a entrega da sinopse do enredo e a formação das comissões para o carnaval 2009.
Na espera, me aproximei de um senhor que, de costas, apresentava estampada, na camiseta, a palavra: compositor. Me apresentei como aluno da Escola Livre de Cinema e pedi sua atenção para uma conversa.


Zé do Pagode, 54 anos, é compositor de quatro sambas enredo campeões na escola. Começou a compor em 1974, na primeira disputa de sambas em que participou, na própria Leões. Figura simpática, de riso fácil, Zé do Pagode me revelou que trabalhava em telecomunicações há 30 anos e que seu sonho era poder se sustentar com a música. Além da escola iguaçuana, Zé já venceu disputas de samba-enredo na vizinha Inocentes de Belford Roxo e concorreu com composições suas na Beija-flor e na Grande Rio (cuja camisata Zé estava vestindo).
Um fato marca sua trajetória de compositor: uma ocasião, Zé do Pagode venceu uma disputa de samba -enredo com competidor ilustre: Neguinho da Beija-Flor, o homenageado do ano. Sendo que , na época, já era a sexta vez que Neguinho da Beija-Flor entrava numa disputa de samba e, para Zé do Pagode, aquela era apenas a segunda experiência. Zé conta esse fato pejado de orgulho.
Agradeci e pedi para que me apresentasse a mais um compositor da escola.

Paulinho TJ, 57 anos, nascido em Nova Iguaçu, compõe há 20 anos. Esteve afastado da escola nos últimos dois anos e me informou que voltou esse ano para ajudar a agremiação. Aposentado da antiga Telerj, reclama da falta de incentivos e reconhecimento aos compositores da Baixada. Conta que, uma vez, levou suas letras para apresentar suas letras a Zeca Pagodinho mas nem mesmo foi recebido pelo cantor, cuja . equipe lhe informou que este já tinha sua equipe de compositores completa. Durante nossa conversa, Paulinho frequentemente citava nomes de seus parceiros de composição. Até mesmo quando perguntei quais são suas principais referências quando compõe, ele lembrou dos amigos: Tavinho da Fé, Juninho e o Sr. Horácio, que é o atual presidente da Leões de Iguaçu.. A certa altura da conversa Paulinho foi sambar e me deixou na companhia de Ratinho.

Ratinho tem 53 anos e é flamenguista da cabeça aos pés. Nasceu em Acari, mas se considera iguaçuano de coração. Três de seus sambas–enredo foram campeões na. Leões de Iguaçu. Mas Ratinho também compõe sambas de partido alto e outros pagodes que não divulga. Quando lhe perguntei o porquê, respondeu com uma frase emblemática: “O caminho é pesado!”. Mecânico de refrigeração, Ratinho afirma que é muito difícil sobreviver com a renda de suas composições, mas não desiste. Seu maior sonho é levar a Leões de Iguaçu para o Grupo Especial para ser campeã com um samba de sua autoria.
Zé do Pagode, meu primeiro entrevistado, voltava agora, na companhia de um amigo compositor que tinha vindo diretamente do Macapá, no estado do Amapá, para aquela ocasião.

Luiz Evangelista, de 55 anos, nasceu em Caxias mas mora em Nova Iguaçu há 41 anos. É formado em Letras e Direito na faculdade do município (UNIG). Fundador da Leões de Iguaçu, é compositor de MPB e de pagodes além de sambas-enredo e disse que, ultimamente, se interessa mais por letras com temas políticos. Inclusive, escola foi fundada por Luiz no fervor político do ano de 1968.
Multinstrumentista, formado na escola de música Villa Lobos, Luiz foi convidado para participar da comissão de carnaval de uma agremiação do estado do Amapá. Este ano, a escola ficou em quinto lugar. Além da relação entre povo e governo, Luiz disse ter sentido mais consideração pelo seu trabalho no Norte do país e aguarda o contato para continuar a parceria este ano. Com a bagagem de quem participou de festivais da década de 70, Luiz Evangelista aponta Paulinho da Viola, João Nogueira e Paulo Diniz como suas principais referências musicais. Terminei a conversa com a sensação de que ele ainda tinha mais histórias pra contar. Peguei seu email e telefones.
Conversa vai, conversa vem, mais água, mais samba e, quando me dei conta, a quadra estava quase cheia. O grupo de samba já ajeitava os instrumentos e o peixe, que era o cardápio da festa, já estava pronto. Deixei a quadra num clima que misturava ansiedade e euforia. O samba tomou conta e, naquela hora, percebi que ninguém me responderia mais nada.
Pretendo voltar lá para saber qual foi a comissão vencedora e quais dos meus entrevistados participarão das composições este ano.

Por Alexandre

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